Ser filho ou filha de pastor é crescer sob um olhar constante, muitas vezes invisível, mas pesado. Desde cedo, escutamos comentários do tipo: “Você vai ser pastor quando crescer” ou “Um dia você vai pregar como seu pai/mãe”. Parece até um elogio, mas, na prática, carrega uma expectativa silenciosa de perfeição e de caminhos já traçados. Crescer nessa realidade, dentro da comunidade em que nossos pais são pastores, nos mostra que ser filho ou filha de pastor não significa seguir regras à risca ou viver como se cada escolha precisasse ser aprovada por todos ao redor.
Ao longo da vida, muitas pessoas assumem que, por sermos filhos de pastores, devemos agir de determinada forma: vestir roupas consideradas “apropriadas”, ouvir apenas músicas gospel em todos os momentos, falar e se comportar de acordo com padrões rígidos e abrir mão de qualquer estilo próprio que pudesse parecer “não piedoso”. E, em algumas situações, comentários como “não é de Deus” são usados para criticar coisas que, na prática, nada têm nada de errado (coisas simples que são consideradas “não de Deus” que inclusive até hoje não consigo entender essa colocação). Mas a verdade é que ser filho ou filha de pastor não significa isso. Não significa ser perfeito, não significa não errar e, muito menos, renunciar à nossa identidade ou à forma como expressamos nossa própria fé.
Crescer nesse ambiente também nos ensina a lidar com relações humanas de formas muito intensas. Vemos de perto nossos pais se doando por qualquer pessoa que precise de ajuda. E, ao mesmo tempo, aprendemos que nem todos retribuem com o mesmo amor e cuidado. Muitos daqueles que sempre receberam apoio e acolhimento simplesmente os abandonam na primeira oportunidade. Mas, felizmente, também existem aqueles que permanecem firmes: amigos, membros da comunidade e pessoas próximas que nunca deixam de apoiar, que estão sempre dispostos a ajudar, mesmo quando é difícil. Essas experiências nos ensinam a valorizar a lealdade, a compaixão e a verdadeira amizade.
Ser filho ou filha de pastor significa, também, enfrentar diariamente pequenas cobranças sobre a vida pessoal. Comentários como: “Teu pai deixa teu cabelo ser dessa cor?”, “Como assim teu pai deixa você usar essa roupa?”, “Você pode ouvir esse tipo de música sendo filho ou filha de pastor?” são comuns e podem parecer triviais para quem observa de fora. Mas, para nós, carregam uma pressão silenciosa sobre quem devemos ser e como devemos agir. Ao longo do tempo, aprendemos que essas perguntas não definem nossa identidade, nem a forma como vivemos nossa fé. Crescer nesse contexto é reconhecer que podemos seguir princípios, mas também ser autênticos, ter estilo próprio e cometer erros sem sermos desqualificados por isso.
Acredito que antigamente essas cobranças e expectativas eram ainda mais recorrentes e rígidas. Havia uma visão muito mais limitada sobre como um filho ou filha de pastor “deveria” se comportar, o que poderia vestir, ouvir ou fazer. Hoje, felizmente, muitas coisas mudaram, e pelo menos na nossa comunidade, as pessoas já têm uma visão completamente diferente. Existe mais liberdade para que cada um descubra sua própria identidade, viva sua fé de maneira consciente e seja aceito(a) mesmo sem seguir à risca regras ou padrões impostos pelo passado. Afinal, Deus nos aceita como somos, e não de acordo com padrões que dizem que Ele colocou para seguirmos à risca.
Além disso, crescer na comunidade que nossos pais pastoreiam até hoje nos mostra que a fé não é uma questão de perfeição, e sim de autenticidade e relacionamento verdadeiro com Deus. Ser filho ou filha de pastor não significa seguir regras rígidas à risca ou abrir mão da própria voz. Significa aprender a reconhecer nossa verdadeira identidade, lidar com nossa fé de forma consciente e escolher nosso caminho com liberdade. Significa perceber que não é necessário agradar a todos, vestir-se ou agir como se algo “não é de Deus” (ou seja, usar essa expressão para julgar coisas simples que são consideradas “não de Deus” que inclusive até hoje não conseguimos entender essa colocação) para ser digno ou digna de amor, respeito e aceitação dentro da comunidade.
A grande lição que aprendemos é que a vida não é sobre aparências ou expectativas externas. É sobre crescer, aprender, se apoiar e apoiar, amar e ser amado(a), mesmo diante de críticas, julgamentos ou decepções. É sobre compreender que podemos expressar nossa fé de forma verdadeira, sem perder nossa identidade, sem abrir mão de quem somos e sem temer a imperfeição. Ser filho ou filha de pastor é descobrir que a perfeição não é o objetivo, mas sim a autenticidade, a empatia e a capacidade de viver a fé de forma pessoal e significativa.
No fim das contas, ser filho ou filha de pastor é aprender a equilibrar tradição e liberdade, expectativas alheias e identidade própria, fé e humanidade. É perceber que o verdadeiro legado de nossos pais não está nas regras que seguimos, mas no amor, na dedicação e no exemplo de vida que nos inspiram a sermos autênticos, compassivos e corajosos. É entender que nossa fé, nossas escolhas e nossa própria voz têm valor, e que não precisamos ser perfeitos para viver de forma plena e verdadeira.
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